Mundo Negro

A arte de ser brasileira, negra, mãe e escritora na Suécia

Isabel Cintra - Foto: Divulgação

Quando se escolhe outro país para viver, a mudança que ocorre é profunda. Requer cuidado e muito afeto, principalmente por parte de nós mesmos.  

Era pleno verão, há 12 anos, quando cheguei na Suécia e uma conversa me intrigou: “Aqui, num mesmo dia, é possível que se veja as quatro estações do ano.”  De fato.

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Já fui acordada pelo calor do sol refletindo na vidraça do meu quarto. Horas depois, através da janela da cozinha, acompanhar a queda de pedras de gelo muito miúdas, mas que não chegam a ser neve. A seguir, no almoço, receber mensagens pelo SMS do Serviço Meteorológico a prevenir sobre as possibilidades de ventos fortes, atentando aos perigos na condução.

Para uma brasileira do interior – São Joaquim da Barra, SP – onde a gente cresce sentindo o calor do sol intenso, sem se importar qual será a temperatura máxima e tendo a claridade como algo que nos pertence, chegar aqui é constatar que só existe um caminho a seguir: o da aceitação.

A partir do princípio que tenho de estar bem para poder cuidar do outro, dou início a um processo de autocuidado que requer tempo, conhecimento e reconhecimento.

A socialização diminui drasticamente com a chegada do inverno: as pessoas estão mais dentro de suas casas ocupando-se das crianças e dos afazeres domésticos. É neste momento que me agarro ainda mais aos livros e tento fazer das minhas leituras (sozinha ou com as crianças) um dos poucos momentos de prazer que a estação fria oferece.

Mulher negra, mãe, esposa e escritora.

A frase é curta, mas traz um significado pesado nos muitos detalhes que representa.

É importante e fundamental a missão de não só evidenciar a representatividade através da escrita, mas também mostrá-la no dia-a-dia para as minhas filhas, para as pessoas com quem me relaciono. E isso se dá da maneira mais natural possível.

A nossa rotina de todas as manhãs revela às minhas meninas uma mãe atenta ao relógio enquanto prepara o leite com chocolate e o pão com manteiga para lhe servirem. Elas sabem que, após entrarem no táxi escolar, irei me sentar por horas no pequeno canto da sala, onde fica minha mesa de trabalho e escrever estórias com os personagens negros ilustrados pelo tio Zeka Cintra.

Ao chegarem da escola no final da tarde, já sabem onde me encontrar e chegam ansiosas. Para elas, é divertido me observar enquanto escrevo. Procuro deixar sempre claro a enorme diferença que há entre minha infância e a delas e o quanto a história das protagonistas dos livros é importante para que, agora, eu protagonize a minha própria com dignidade e liberdade. Sem medo.

Por fim, me fortaleço ao vê-las fortalecidas ouvindo sobre minhas memórias afetivas, e também em poder expressar minha gratidão. Afinal, o caminho continua a ser feito. Faço parte desta construção e poder sonhar estar em todos e quaisquer espaços sociais é algo que está sendo conquistado.

Seja qual for a estação, ao longo de todo o ano, quero me sentir honrada e privilegiada em poder compartilhar tanto afeto, cumplicidade e representatividade com minhas meninas. Seja no Brasil, na Suécia, ou em qualquer lugar do mundo.

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